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Denilson Mariano da Silva
O livro do Gênesis 2,15 aponta uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza: “O Senhor Deus colocou o ser humano no jardim do Éden para o cultivar e guardar”. Por sua vez o Papa Francisco reforça que “cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras” (LS 67). Isso nos aponta a necessidade de uma conversão ecológica e integral, o descanso aponta para uma nova forma de nos relacionarmos entre nós e com a Criação, vale conferir Êxodo 23,10-13.
O descanso é um ato sagrado
Este modo de ver e pensar percorre as Escrituras Sagradas. Deus prevê o descanso para a natureza e para o ser humano para que possam se recompor. Precisamos de tempo, espaço e condições favoráveis para nos refazermos. O descanso é um ato sagrado, até “Deus descansou” (Gn 2, 2).
O Ano sabático (Lv 25,1-7; Dt 15,1-18) trata do ciclo menor em que a cada sete anos a terra tem o direito ao descanso. Já o Ano jubilar, celebrado a cada 49 anos (Lv 25,8-55), além do repouso da terra, previa o perdão das dívidas e a volta da terra a seu primeiro usuário. Era a garantia de que as pessoas recuperassem a sua dignidade pelo resgate da terra (Lv 25,23-34), pelos empréstimos sem juros (Lv 25,35-38) e pela libertação da escravidão (Lv 25,39-55). A Terra e o povo são destinados à liberdade, por isso, deverão ser libertados para participarem da “gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8,22).
Para garantir a liberdade é preciso livrar-se de toda forma de idolatria, nas Escrituras que Deus proíbe o culto a tudo aquilo que causa opressão, escravidão e morte. Tudo que ocupa o lugar de Deus mata: o dinheiro, o poder, a exploração predatória, o lucro acima de tudo, a vontade de dominar, tudo isso se torna idolatria e escraviza. Escravidão é também alienar-se, recusar a enxergar a realidade, viver na ilusão, numa “virtualidade” irresponsável. Apesar dos dados científicos e alertas proféticos, há grupos que ideologicamente negam as mudanças climáticas (cf. LD, 5-10). Com isso, geram confusão e dúvidas, dificultam a conversão ecológica, enfraquecem as ações para frear os desequilíbrios climáticos (TB 41).Torna-se escravos de falsas visões de mundo.
O apelo à Ecologia Integral
A Campanha da Fraternidade (CF) 2025 nos convida a abrir os olhos, a contemplar as maravilhas criadas por Deus e, de olhos abertos, buscar a conversão do modo de olhar: não podemos enxergar o ambiente, a terra, o planeta, apenas como ‘recurso’, pois corremos o perigo de ameaçar o ambiente como ‘casa’, morada, como convivência (CDSI, 461) (cf. TB 48).
Mais uma vez o apelo à Ecologia Integral, pois, há uma conexão entre: preocupação com a natureza, com a justiça social, com o engajamento social e a paz interior (LS, 10). São inseparáveis as questões ambientais, sociais e antropológicas. A solução dos problemas requer uma abordagem integral para combater a pobreza, resgatar os excluídos e cuidar da natureza (LS, 139).
A Ecologia Integral aponta para um manejo respeitoso da terra, sem abuso e escravidão. Ela “atualiza o sentido do bem comum, elemento tradicional da Doutrina Social da Igreja, resgata a opção preferencial pelos pobres e mantém o compromisso para com as futuras gerações. Esta postura profética da Igreja está também relacionada com o cultivo da paz e da justiça socioambiental, sobretudo em um mundo que enfrenta uma crise estrutural em múltiplas dimensões, onde estão vinculadas pobreza, desigualdade, competição por recursos, ecossistemas degradados e mudanças climáticas” (TB 50 e 99).
Conversão integral e ecológica
Em sua Carta aos Romanos, Paulo destaca que os filhos, aqueles que são guiados pelo Espírito de Deus, que se contrapõem ao egoísmo. Os filhos têm uma nova forma de relacionar-se entre si e com Deus (Rm 14-17). Este novo agir envolve também a Criação que espera a manifestação humana. Paulo não faz vista grossa aos problemas, ele salienta os “sofrimentos do tempo presente” (Rm 8,18), mas não se desanima. Ele ressalta que a Criação abriga aguarda ser libertada do uso egoísta e explorador, predatório, que a escraviza para “participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus” (Rm 8,20).
Paulo reforça que a Criação, submetida à escravidão e corrupção, sofre e geme dores de parto, ela espera pela manifestação dos filhos de Deus, como sendo os “parteiros” de um novo modo de ser, de viver e de conviver com Deus e com a toda a Natureza. A CF 2025 retoma o Papa João Paulo II que afirma haver uma “íntima relação entre a problemática ecológica e a crise moral do ser humano, pois a falta de sentido do valor da pessoa aumenta o desinteresse pelos demais e pela Terra.” Daí o “apelo urgente de educar para a responsabilidade ecológica” (TB 104).A Criação quer ser libertada da escravidão para continuar a ser fonte de vida, de bem-estar, pois é mãe de todos/as.
Se a Criação geme, está aí o indício de que o “grito dos pobres e o grito da Terra” estão intimamente interligados. O empenho pelo bem-comum, a busca pela justiça, a luta em defesa da vida humana e o cuidado com a Criação, passam a ser “lugar teológico”, um lugar no qual Deus nos fala, nos convoca e nos oferece sua graça e nos chama à conversão. Por isso, a CF 2025 nos aponta que é hora de manifestarmos que somos, de fato, filhos/as de Deus. Tempo de conversão, para que sejamos, de fato, guardiões da Criação, “Guardiões da Casa Comum” (TB 56).
A CF 2025 nos motiva a uma conversão Integral e Ecológica. “Conversão Ecológica” é uma expressão do Papa João Paulo II (2001), retomada pelo Papa Francisco (TB 57), que supõe buscar “um modo de viver, mais integrador entre Deus, os seres humanos e toda a Criação, onde a cultura do amor e da paz tenha a primazia […] resgatar uma Ecologia Integral, unindo crentes e não crentes na missão da Casa Comum, construindo grandes e pequenas alianças, reforçando os laços da Amizade Social” (TB 55).
Desde modo, a atuação social e política dos cristãos se torna essencial. É o amor em seu grau mais profundo, o amor a toda a obra de Deus, neste tempo no qual a “história dá sinais de regressão” (FT, 174). A Ecologia Integral é o único caminho possível para salvar a região – e o planeta – do extrativismo predatório, do derramamento de sangue inocente e da criminalização dos defensores da Amazônia. (TB 52); Por isso, “é preciso estimular e apoiar a ‘conversão ecológica’, que nestes últimos decênios tornou a humanidade mais sensível aos confrontos da catástrofe para a qual caminhava…” (TB 57).
Para isso não bastam ações individuais, estas devem se abrir par um agir coletivo, responsável e consciente como nos exorta o Papa Francisco: “Convido cada um a acompanhar este percurso de reconciliação com o mundo e a enriquecê-lo com o próprio contributo, […] as soluções mais eficazes não virão só dos esforços individuais, mas sobretudo das grandes decisões da política nacional e internacional” (LD, 69) (TB 120).
Aprofundamento:
- Em nossa comunidade qual o maior atentado contra o Criador? Já incluímos o “pecado ecológico” em nosso exame de consciência? Por quê?
- Nossa fé nos leva a viver em harmonia com os semelhantes e com a Criação? Estamos abertos a uma conversão integral? Dê exemplos:
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